Bicalutamida na Terapia Hormonal de Pessoas Transfemininas: O Que a Ciência Diz (e Não Diz)

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Nos últimos anos, a bicalutamida passou a ser debatida como uma possível alternativa de bloqueio androgênico na terapia hormonal de afirmação de gênero (THAG) para pessoas transfemininas. Originalmente utilizada no tratamento do câncer de próstata, a bicalutamida atua como um antagonista dos receptores de androgênio, bloqueando a ação periférica da testosterona.


Embora relatos pontuais sugiram efeitos como redução da oleosidade da pele, diminuição da pilosidade corporal e desenvolvimento mamário, não há evidência científica robusta que respalde seu uso seguro e eficaz nesse contexto.

O que dizem as diretrizes internacionais?


As principais organizações internacionais que orientam o cuidado de saúde de pessoas trans e de gênero diverso não recomendam o uso de bicalutamida como parte do tratamento hormonal de afirmação de gênero.


❌ WPATH (World Professional Association for Transgender Health)


A versão mais recente das Standards of Care – SOC8 (2022) afirma claramente:
“O uso de bicalutamida em mulheres trans não é recomendado devido à ausência de dados que comprovem sua segurança e eficácia, além do risco documentado de toxicidade hepática.”


❌ Endocrine Society


A Endocrine Society, referência em endocrinologia mundial, reforça:
“Bicalutamida não é um antiandrogênico padrão para cuidados de saúde transgênero. O risco de hepatotoxicidade é uma preocupação clínica relevante.”
(Hembree et al., 2017)

Principais riscos e limitações da bicalutamida


Apesar de seu uso isolado ou combinado com estrogênios em alguns contextos clínicos, o uso da bicalutamida na hormonização transfeminina apresenta limitações sérias:

  • Não reduz os níveis de testosterona
  • Diferente de fármacos como a espironolactona ou o acetato de ciproterona, a bicalutamida não age na produção hormonal, apenas bloqueia os receptores periféricos. Isso pode ser insuficiente para alcançar os níveis hormonais desejados na transição.
  • Hepatotoxicidade

O principal efeito adverso grave associado à bicalutamida é a toxicidade hepática, com risco de elevação de transaminases e lesão hepática clinicamente significativa. Monitoramento rigoroso da função hepática é obrigatório, o que nem sempre ocorre fora de ambientes oncológicos.

Efeitos colaterais imprevisíveis

  • Ginecomastia dolorosa
  • Fadiga
  • Alterações no perfil lipídico
  • Potencial risco de efeitos carcinogênicos com uso prolongado, embora os dados ainda sejam limitados nesse grupo populacional

Ausência de estudos em longo prazo


Até o momento, não existem estudos clínicos randomizados controlados que avaliem o uso da bicalutamida em pessoas trans ao longo do tempo. A maior parte das informações disponíveis são relatos de casos ou séries muito pequenas, insuficientes para sustentar qualquer uso sistemático.

Referências Científicas


WPATH – Standards of Care for the Health of Transgender and Gender Diverse People, Version 8 (2022).
Hembree WC, et al. Endocrine Treatment of Gender-Dysphoric/Gender-Incongruent Persons. J Clin Endocrinol Metab. 2017;102(11):3869-3903.
Tangpricha V, den Heijer M. Transgender Medicine—An Endocrinology Perspective. Endocrinol Metab Clin North Am. 2019;48(2):391-402.
Moore E, Wisniewski A, Dobs A. Endocrine Treatment of Transsexual People: A Review of Treatment Regimens, Outcomes, and Adverse Effects. J Clin Endocrinol Metab. 2003;88(9):3467-3473.
Asscheman H, et al. A long-term follow-up study of mortality in transsexuals receiving treatment with cross-sex hormones. Eur J Endocrinol. 2011;164(4):635-642.
FDA – Bicalutamide (Casodex) Prescribing Information. [https://www.accessdata.fda.gov/]

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