No dia 8 de abril de 2025, o Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou uma nova resolução que está movimentando debates dentro e fora da comunidade médica: a Resolução CFM nº 2.427/2025, que trata do atendimento a pessoas com incongruência e/ou disforia de gênero.
Mas afinal: o que exatamente mudou? Por que essas alterações foram feitas agora? E o que isso significa para quem está em processo de transição?
Se você é profissional da saúde, pessoa trans, familiar ou apenas alguém que se importa com o tema, esse texto vai te ajudar a entender não só o conteúdo da norma, mas também as implicações práticas e emocionais que ela traz.
Mudança ou retrocesso?
A resolução atualiza a anterior, de 2019, trazendo novos critérios para o atendimento médico de pessoas trans. Entre os principais pontos estão:
• Proibição do uso de bloqueadores hormonais em crianças e adolescentes com incongruência de gênero;
• Proibição da terapia hormonal cruzada antes dos 18 anos, mesmo com acompanhamento médico;
• Exigência de acompanhamento psiquiátrico e endocrinológico por no mínimo 1 ano antes de iniciar a hormonização;
• Regras mais rígidas para a realização de cirurgias de redesignação de gênero, com idade mínima de 21 anos para procedimentos com potencial esterilizante.
Parece técnico, mas o impacto vai muito além das consultas e prontuários. Estamos falando sobre tempo, identidade, espera, e sobretudo sobre autonomia.
“Mas e quem já está em tratamento?”
Essa é uma das perguntas mais feitas nos últimos dias.
A resposta é: quem já iniciou o processo de hormonização ou uso de bloqueadores segue com o tratamento normalmente. A resolução só se aplica a novos casos. Isso traz certo alívio, mas também levanta outra questão:
E quem estava prestes a começar?
Para essas pessoas, a resolução cria barreiras que podem gerar frustração, descontinuidade no cuidado e até riscos à saúde mental. Imagine alguém que já vinha sendo acompanhado por psicólogos e médicos há meses, e agora descobre que precisa recomeçar tudo com novas regras.
Qual o racional por trás da mudança?
A justificativa central do CFM está ancorada na segurança médica e na necessidade de mais tempo de acompanhamento antes de decisões que podem ser irreversíveis. Há um apelo à prudência, ao uso de evidências, e à proteção da pessoa trans.
Mas há também um ponto sensível que muitos têm destacado: a resolução se distancia de diretrizes internacionais mais atualizadas, como as da WPATH (Associação Profissional Mundial para Saúde Transgênero), que consideram a possibilidade de bloqueadores hormonais e transições assistidas em adolescentes em determinadas condições.
Impacto nas clínicas e nos serviços de saúde
Clínicas que atendem a população trans, como a Avant Saúde, precisarão adaptar seus fluxos, termos de consentimento, protocolos e avaliações multiprofissionais. Em alguns casos, pode ser necessário ampliar o tempo de acompanhamento antes da prescrição de hormônios, o que exige preparo técnico, escuta ativa e acolhimento emocional.
Mais do que burocracia, isso exige empatia e responsabilidade.
E o que fazer agora?
Se você está em processo de transição ou pensa em iniciar, é importante:
1. Buscar serviços especializados que conheçam e respeitem a nova norma.
2. Garantir que todo o processo esteja bem documentado, com avaliações médicas e psicológicas regulares.
3. Tirar dúvidas com profissionais de confiança, principalmente sobre os riscos, limitações e efeitos esperados da hormonização.
Se você é profissional de saúde, o desafio é manter-se atualizado e saber traduzir as exigências da nova resolução em cuidados mais humanos e seguros.
No fim das contas…
O que essa nova resolução mais escancarou foi uma verdade que vai além da medicina: o cuidado com a saúde trans não cabe apenas em protocolos. Ele exige escuta, acolhimento e, acima de tudo, respeito às singularidades de cada pessoa.
Mudanças como essa geram incertezas, mas também abrem espaço para reflexão, reorganização e — por que não? — para resistência ética.
O futuro do cuidado com pessoas trans será construído por quem, mesmo diante de obstáculos, segue comprometido com uma saúde plural, acessível e baseada em evidências.
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Referências
https://g1.globo.com/saude/noticia/2025/04/16/cfm-bloqueio-hormonal-idade-para-cirurgias-de-transicao.ghtml
https://oglobo.globo.com/saude/noticia/2025/04/16/conselho-federal-de-medicina-proibe-bloqueio-hormonal-para-criancas-e-adolescentes-trans-entenda.ghtml